Sempre fui dado à poemas, mas mudar é preciso, viver não mais... Sei que guardo com carinho a lembrança dos suicidas que acima de tudo eram sinceros. Não é fácil encarar a si mesmo com franqueza, e não acho fraqueza sucumbir ao abismo insignificante que nos impuseram como: vida.
Profundamente acredito que vida não se explica, não se define... apenas se exemplifica. Uma pena que a maioria dos exemplos tenham inspirado morte.
Lembro do Neruda que vio lentamente pessoas morrerem, e, ao invés de se laçarem no abismo, definharam na expectativa de um dia que...!
Lembro da Cecília em um livro post mortem me dizendo o que a disse um dia: Tu tens um medo! Acabar! Não vês que morre todos os dias... no amor, na dor, na dúvida, no desejo...
E de quando eu era criança e brincava de matar as pessoas, para assim que elas renascessem eu pudesse amá-las de novo com o mesmo carinho e confiança.
Lembro do Neruda que vio lentamente pessoas morrerem, e, ao invés de se laçarem no abismo, definharam na expectativa de um dia que...!
Lembro da Cecília em um livro post mortem me dizendo o que a disse um dia: Tu tens um medo! Acabar! Não vês que morre todos os dias... no amor, na dor, na dúvida, no desejo...
E de quando eu era criança e brincava de matar as pessoas, para assim que elas renascessem eu pudesse amá-las de novo com o mesmo carinho e confiança.
Creio que morri com aquela palavra, que morri com aquele olhar, que morri com aquela ausência e nem sei mais como era o meu primeiro corpo antes de morrer tantas vezes em um só dia.
O TEXTO é um conto que escrevo - uma fantasia que despe a fantasia que eu uso no dia a dia - que é tão real como o abraço que eu dei nas pessoas que amo, que não sei dizer do começo, tampouco como e quando será o fim.
CAPÍTULO I
A Coruja Profana
No dia que me abandonei eu era pura magia e esplendor. Brilhava em mim o sol dos vencedores e o ouro dos homens sábios que virtuosamente abdicaram de si mesmos em prol da própria glorificação. Eu era um deles, mais do que nunca fora em minha vida, eu era mais um que comungava daqueles ideais de sucesso e nobres sentimentos. Para além disso! Pairava sobre mim uma suave brisa que me dizia: Segurança.
Eu disse, sim! Convicto do meu mais novo e brioso ideal. Um ideal limpinho e higiênico, que não polui e não ofende, que não choca os amigos da família e que finalmente iria me redimir, então eu poderia vestir as calças e com elas a gravata para que eu nunca esquecesse o nó que por vezes ainda me sufoca.
Era óbvio, naquele instante, que o mundo havia me dito SIM, finamente, aquela aprovação pavorosa que eu tanto almejava me atingiu com seus delírios ébrios. E num élan de vitória a Coruja Profana de Atenas tocou meu braço direito e num rasante perfeito arrancou a chave que eu trazia tão soberbo junto às insígnias que eu nunca almejei.
Naquele mesmo dia, dentro da mais densa floresta, apodrecia no pântano meu corpo de antes. Quando o abandonei ele ainda se esforçava em compreender e aceitar as pestes asquerosas que moravam na podridão e na baixeza. Dele, eu não tive notícia por anos, afinal, eu agora vivia das honrarias dos amantes do metal, um metal que reluzia ouro e que valia mais e mais a cada dia! Não tinha tempo de me ater às insignificâncias de floresta nenhuma.
Estava sendo forjado no fogo da batalha, apesar de não ser feito de metal. Eu fui forjado ou mesmo talhado para caber na fôrma do sucesso. Que de fato não deixava dúvida de sua luz clara e resplandecente. Era o que eu queria e o que mais eu deveria então querer?
Eu era a pura alegria, aquela destinada somente aos nobres, aos senhores cavaleiros que saíram das estrebarias e foram reinar ao lado das belas damas do castelo. Digna apenas aqueles que empunhariam suas espadas, seguros dos brasões em seus escudos, prontos para defender com a própria majestosa vida, o Graal Sagrado.
Foi então que veio da antiga Floresta, que eu houvera esquecido, um canto profano que blasfemava contra toda a nobreza e honra dos áticos senhores de espadas douradas. As árvores da maldita floresta choravam as veias venosas das damas do castelo e por elas secavam seus troncos de sentirem uma pusilânime piedade para com essas belas mulheres civilizadas que sabiam muito da guerra e de si mesmas, mas que não entendiam absolutamente nada da terra.
Quando o rei convocou seus bravos guerreiros para enviá-los à óbvia empreitada, o dia havia sido luminoso e pueril, as nuvens nem tocaram o celeste azul turquesa de Urano. Mas durante a reunião, os mais honrados se perderam em conversas sobre a maravilhosa vida que tinham e todas as fantásticas atrações que passara naquela última caravana. E quando ao entardecer o lilás se revelou no céu, bem no meio do laranja-avermelhado e do preto-azulado, estremeci. E não pude deixar de interromper as gentilezas dos nobres para dizer que o perigo estava próximo.
Altivos como eram, fizeram pouco caso das minhas aborrecidas advertências e me deixaram de lado, deliciando-se com seus requintados e filantrópicos banquetes. Sempre houvera a suspeita de que eu seria um engano, por mais majestosos e nobres que meus atos fossem, pairava a suspeita que eu não fosse de metal. E por isso qualquer alquimia seria vã para enobrecer a mim. Mas éramos todos polidos demais para revelar certas faces que deviam ficar presas nas paredes do castelo.
Naquela noite não pude dormir e pela janela de meu claustro pude ver que a lua tramava algo perverso, não saberia jamais prever ou decifrar o que era. Mas só podia ser algo perverso, pois delineando e engrandecendo seu corpo branco sinuoso pairava uma auréola que brilhava como o ouro do rei, mas era da cor escarlate, um vermelho tão profano que nem o sangue da mais nefasta monstruosidade poderia revelar.
Eu disse, sim! Convicto do meu mais novo e brioso ideal. Um ideal limpinho e higiênico, que não polui e não ofende, que não choca os amigos da família e que finalmente iria me redimir, então eu poderia vestir as calças e com elas a gravata para que eu nunca esquecesse o nó que por vezes ainda me sufoca.
Era óbvio, naquele instante, que o mundo havia me dito SIM, finamente, aquela aprovação pavorosa que eu tanto almejava me atingiu com seus delírios ébrios. E num élan de vitória a Coruja Profana de Atenas tocou meu braço direito e num rasante perfeito arrancou a chave que eu trazia tão soberbo junto às insígnias que eu nunca almejei.
Naquele mesmo dia, dentro da mais densa floresta, apodrecia no pântano meu corpo de antes. Quando o abandonei ele ainda se esforçava em compreender e aceitar as pestes asquerosas que moravam na podridão e na baixeza. Dele, eu não tive notícia por anos, afinal, eu agora vivia das honrarias dos amantes do metal, um metal que reluzia ouro e que valia mais e mais a cada dia! Não tinha tempo de me ater às insignificâncias de floresta nenhuma.
Estava sendo forjado no fogo da batalha, apesar de não ser feito de metal. Eu fui forjado ou mesmo talhado para caber na fôrma do sucesso. Que de fato não deixava dúvida de sua luz clara e resplandecente. Era o que eu queria e o que mais eu deveria então querer?
Eu era a pura alegria, aquela destinada somente aos nobres, aos senhores cavaleiros que saíram das estrebarias e foram reinar ao lado das belas damas do castelo. Digna apenas aqueles que empunhariam suas espadas, seguros dos brasões em seus escudos, prontos para defender com a própria majestosa vida, o Graal Sagrado.
Foi então que veio da antiga Floresta, que eu houvera esquecido, um canto profano que blasfemava contra toda a nobreza e honra dos áticos senhores de espadas douradas. As árvores da maldita floresta choravam as veias venosas das damas do castelo e por elas secavam seus troncos de sentirem uma pusilânime piedade para com essas belas mulheres civilizadas que sabiam muito da guerra e de si mesmas, mas que não entendiam absolutamente nada da terra.
Quando o rei convocou seus bravos guerreiros para enviá-los à óbvia empreitada, o dia havia sido luminoso e pueril, as nuvens nem tocaram o celeste azul turquesa de Urano. Mas durante a reunião, os mais honrados se perderam em conversas sobre a maravilhosa vida que tinham e todas as fantásticas atrações que passara naquela última caravana. E quando ao entardecer o lilás se revelou no céu, bem no meio do laranja-avermelhado e do preto-azulado, estremeci. E não pude deixar de interromper as gentilezas dos nobres para dizer que o perigo estava próximo.
Altivos como eram, fizeram pouco caso das minhas aborrecidas advertências e me deixaram de lado, deliciando-se com seus requintados e filantrópicos banquetes. Sempre houvera a suspeita de que eu seria um engano, por mais majestosos e nobres que meus atos fossem, pairava a suspeita que eu não fosse de metal. E por isso qualquer alquimia seria vã para enobrecer a mim. Mas éramos todos polidos demais para revelar certas faces que deviam ficar presas nas paredes do castelo.
Naquela noite não pude dormir e pela janela de meu claustro pude ver que a lua tramava algo perverso, não saberia jamais prever ou decifrar o que era. Mas só podia ser algo perverso, pois delineando e engrandecendo seu corpo branco sinuoso pairava uma auréola que brilhava como o ouro do rei, mas era da cor escarlate, um vermelho tão profano que nem o sangue da mais nefasta monstruosidade poderia revelar.