Sou um pássaro com raízes ou uma árvore alada?
Que quimera atroz pode ser vista por tantas distancias
Ainda assim, tão isolada?
CAPITULO VI
UM LAR, CHAMADO, PERIGO
Eu via claramente o desfiladeiro e todos os arredores
eram interessantes e desafiadores, eu não queria nenhum, queria atrair o mundo
ao meu mundo, agora tão orgânico e efêmero. Que injusto me senti ao desejar que
tudo então viesse a mim. O que eu teria a oferecer a essa gente? O que eu
teria? Eu jamais seria o mesmo e por tanto mais, não me reconheceria.
Tudo o que queria era construir um templo com minhas
próprias mãos, usando as cinzas úmidas das esperanças infantis que cuidei como
se fossem relíquias sagradas. Quis encontrar a Arte ardente de um Deus que eu
não sou, que eu não conheço e que não me reconheceria.
O que eu sinto nada move, o que sinto me paralisa e
consome. Mas para onde vou? Onde vai um homem cuja maldição o prende ao lugar
que o amaldiçoou?
Tantos espasmos internos eram as palavras, bem ou mal,
escritas em livro que jamais foi aberto, uma folha em branco que se queimou,
cheia das ilustrações vagas de destinos imaginados, testemunhados pelas pedras
que permaneceriam imóveis onde sempre estarão. Era Prometeu acorrentado
empurrando uma pedra que permanecerá fixa no ponto onde o poder relegou. A
única saída visível seria a fusão com a águia que beliscava seu fígado, sempre
a regenerar-se. A que Deus deveria pedir o dom de tal fusão!? A quem orar nas
horas em que o bem e o mal não fazem sentido? Um novo panteão deveria ser
criado, ou relembrado por aquele que negou seu passado para encontrar um novo
passado atávico, arquetípico!
O som de minhas palavras precisava ser ouvido... por
quem? Eu não sabia. Não havia como saber... anoiteceu e nada foi dito. Mas
havia luz, luz demais para apenas uma lua, eu não poderia me esconder na
escuridão como antes, eu seria percebido e repetiria aquele ciclo irritante...
mente... conhecido... eu estava certo, no céu haviam nove luas e eu não saberia
mais voltar para casa.
Sem nada dizer, então, dei um passo rumo ao
precipício! Mas eu não caí... o que exatamente aconteceu eu mais tarde saberia,
naquele momento apenas senti terríveis asas de metal saindo de minhas costas
nuas. Me suspendiam no ar insosso, eu me sabia, não era Ícaro, mas Dédallus
errante sobre a luz de tantos luares brilhantes, como um sol ao meio dia, sem
calor, sem fibras, apenas engrenagens que precisavam ser constantemente
abastecidas.
Um novo lar surgia para mim, como num chamado por
detrás de rochas feitas de brumas, era um ruído fantasmagórico vazando
escorreito. Aproveitei minha translúcida presença e atravessei esses rochedos
que não me levaram à Avalon, mas a uma cortina de fogo, um lar chamado Perigo
que me aconchegaria em um insólito peito reluzente e articulado.
Ali eu planava na busca de um pouso que me permitisse
voltar ao cume daquele pântano que deveria ebulir e fossilizar as cinzas, os
sonhos, a pele antiga do dragão e os suspiros de uma garganta que não mais se
fecharia.
Quem me visse diria que eu carregava os céus com
minhas asas, e esse peso fatalmente derrubaria meu corpo cigano que não tinha
jóias. Mas eu me sabia, ouvindo o zunido mântrico do vento que secava meus
olhos, eu me sabia o mesmo cigano cuja dança e canto não são nada, senão desejo
de viver.
Eu viveria a vida que me fosse entregue, eu viveria,
mas não mais me apegaria, fosse a pele, o aço, a lança ou o arco. Não me
entregaria ao desejo, nem o dominaria. Não lutaria mais com o tempo, mas
inerte não ficaria. A Morte seria a
única constante a cantar com a Vida um estranho dueto que com nada deste mundo
se pareceria.
Meu coração voava comigo, suas asas índigo e vermelhas
raramente seriam vistas por entre as folhagens que eu semearia por onde minha
voz profunda fincaria raízes de esperanças infanto-senis. Nenhum espelho me
refletiria, e o sol ao despontar nesse novo horizonte trazia uma escuridão nova
antes desse desconhecido alvorecer. Onde pousar? Onde eu pousaria?
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